terça-feira, 14 de julho de 2009

Anulação dos "atos secretos"

JORNAL DA TARDE 14/07/09

Decisão de Sarney é missão impossível
Ele anulou atos secretos e cobrou a devolução do dinheiro. Assessoria vê grave problema jurídico

Em ato administrativo com três artigos, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anulou os 663 atos secretos –que durante 14 anos serviram para criar, cargos, empregar parentes e aliados de senadores, além de aumentar salários–, deu “prazo improrrogável de 30 dias” para a diretoria-geral da Casa tomar as providênciase determinou “integral ressarcimento aos cofres públicos” do que foi pago indevidamente.

Baixada ontem, a ordem de Sarney cobrando ‘ressarcimento’ é missão impossível, segundo o próprio departamento jurídico do Senado. Para isso, teria de comprovar que algum servidor recebeu sem trabalhar. E, de acordo com a interpretação jurídica, não há como exigir devolução de salário de funcionário que trabalhou mesmo sob efeito de nomeação secreta.

A decisão de Sarney ainda criaria situação inusitada: funcionários demitidos voltariam aos quadros do Senado, que ficaria devendo salários a esses servidores. Um neto de Sarney enquadra-se neste caso: João Fernando Sarney foi exonerado do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) por ato secreto em 2008, obedecendo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proibindo o nepotismo no serviço público.

A iniciativa de Sarney segue recomendação do Ministério Público Federal, que havia pedido a nulidade dos atos secretos. A Polícia Federal já abriu investigações, buscando indícios de formação de quadrilha, inserção de dados falsos e prevaricação. Para concluir a apuração, deve levar no mínimo 60 dias – o dobro do ‘prazo improrrogável’dado por Sarney à diretoria-geral do Senado.

Meia volta em um mês

A existência de atos secretos no Senado foi revelada pelo Estado e JT em 10 de junho. A anulação ocorre menos de um mês após Sarney ter garantido que não havia boletins administrativos sob sigilo. “Não sei o que é ato secreto”, disse, da tribuna, em 16 de junho. “Aqui, ninguém sabe o que é ato secreto.”

Depois, Sarney criou uma comissão para avaliar cada boletim secreto e a perspectiva de anulação. Agora inverteu o processo: cancelou tudo e uma equipe decidirá o que será convalidado.

O presidente do Senado tenta diminuir pressão das denúncias de irregularidades na Casa, nepotismo nos gabinetes e desvio de verbas da Petrobrás, patrocinadora de um projeto da Fundação José Sarney que nunca saiu do papel.

“O Sarney tomou providência cobrada pela imprensa”, diz o primeiro- secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI).“Se não causar efeito, a decisão é apenas política, caso contrária, é prática”, avalia Renato Casagrande (PSB-ES).

Como a decisão foi mais política que prática, técnicos do Senado já avisaram Sarney que grande parte dos atos secretos terá de ser convalidada para evitar graves problemas jurídicos. Diante do impasse sobre a anulação ‘geral e irrestrita’, uma solução provável é cancelar apenas atos que criaram cargos e multiplicaram benefícios para servidores e senadores.

Quem foi nomeado por ato secreto e trabalha no Senado deve perder cargo temporariamente, embora haja controvérsias quanto a essa interpretação. E não há estimativa de quantos funcionários estejam nessa situação.

Mas uma sobrinha de Sarney, Maria do Carmo Macieira, e Nathalie Rondeau, filha do ex-ministro Silas Rondeau, aliado do clã Sarney, encaixam-se nesse perfil. ::

Pra especialistas, vai ter "guerra judicial" no Senado
Especialistas ouvidos pelo JT avaliam que a anulação dos 663 atos secretos, anunciada ontem pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem pouca eficácia jurídica e deve provocar uma série de ‘guerras judiciais’ entre servidores beneficiados pelas nomeações e o Legislativo.

Segundo o advogado Eduardo Nobre, especialista em Direito Público, é preciso analisar caso a caso para diferenciar os servidores que realmente trabalharam na Casa dos funcionários fantasmas, embora todas as contratações tenham sido ilegais. A tarefa não é tão simples porque os parlamentares mantêm assessores pagos pelo Senado despachando em seus Estados de origem, o que dificulta a fiscalização.

“O entendimento do STJ (Superior Tribunal deJustiça) nos casos de contratação irregular é de que, no caso do contratado que prestou o serviço, cabe anular a contratação e punir quem o contratou, mas sem pedir a restituição de valores porque seria enriquecimento ilícito pelo Estado, que se beneficiaria do serviço prestado pela pessoa”, afirma Nobre.

Já os casos dos nomeados secretamente que não trabalharam, explica o presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OABSP,Luiz Silvio Moreira Salata, configuram improbidade administrativa.“Neste caso, o dano não é só a contratação irregular, mas também o valor pago. Cabe aí uma ação civil pelo Ministério Público, o ressarcimento ao erário, multa e até suspensão do direito político por até oito anos”, afirma.

Salata disse ainda que o novo ato de Sarney “não restabelece a legalidade ou esconde a ilegalidade” dos demais atos. “Juridicamente, não acresce nada. É ato mais político do que jurídico. A ilegalidade segue recaindo sobre responsáveis pelos atos secretos.”::

Fabio Leite

segunda-feira, 13 de julho de 2009

FOLHA DE SÃO PAULO



São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009


Reforma eleitoral limita liberdade de expressão, diz ANJ


Projeto impõe a sites e blogs as mesmas regras para debates em rádios e TVs durante a campanha
DA REPORTAGEM LOCAL
O projeto da nova lei eleitoral, aprovado na quarta-feira pela Câmara dos Deputados, foi criticado ontem pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), por conta da criação de amarras para cobertura de eleições por portais, sites e blogs.

Mesmo não sendo concessão pública, a internet poderá ter as mesmas regras de rádios e TVs. Nos debates, será necessário que dois terços dos candidatos de partidos com representação na Câmara sejam convidados -mesmo os "nanicos".

"Nem bem comemoramos a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], de abril de 2009, derrubando a antiga Lei de Imprensa do regime militar, e já surgem novas tentativas de limitar, numa penada, a liberdade de expressão dos jornais, por meio de um projeto sobre o qual não houve qualquer discussão pela sociedade", declarou a entidade, em nota.

"Jornais -impressos ou em meio on-line- não são concessões públicas, e não podem ser equiparados a rádio e TV. A ANJ estará atenta para contestar arbitrariedades que afetem a liberdade de expressão."

Críticas

Outros pontos do projeto foram criticados por advogados especialistas na área. Pelas regras propostas, acaba a inelegibilidade para candidatos que deixarem dívidas de campanha.

Para Torquato Jardim, ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o "direito eleitoral é o único ramo do direito no qual o destinatário da norma de conduta redige a própria norma". "O Congresso é uma assembleia de vencedores. E esses vencedores não vão mudar a regra do jogo para perder o jogo, para não serem reeleitos", diz.

Segundo ele, toda vez que a Justiça Eleitoral avança e restringe a ação política, o Congresso muda a lei.

Ele cita como exemplo a decisão segundo a qual bastará para disputar a eleição o candidato ter apresentado as contas eleitorais de campanhas passadas, sem a necessidade de sua aprovação.

"Agora, ter ou não ter contas de campanha aprovadas não impede a certidão de quitação de obrigações eleitorais [documento necessário para se candidatar em eleição posterior]. Isso vai contra a jurisprudência", diz o advogado.

Apesar de críticas, o ex-ministro do TSE diz que a regulamentação para campanha eleitoral na internet é positiva. O advogado Eduardo Nobre, especialista em legislação eleitoral, concorda com ele.

Nobre também vê como positiva a possibilidade de equacionar punições que têm como consequência a suspensão do fundo partidário. "A reforma abre possibilidade para sanção intermediária entre não punir nada ou punir 100%, com relação ao repasse ao fundo partidário", declara.
FOLHA DE SÃO PAULO

13/07/09

Reforma fragiliza transparência, diz TSE

Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, critica pontos da reforma aprovada pela Câmara na semana passada
Para ministro, tentativa de regulamentar internet é "provinciana", regra nova beneficia cúpula partidária e diminui a transparência
Felipe Seligman
Fábio Zanini
da sucursal de Brasília

Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, a reforma eleitoral aprovada pela Câmara na semana passada contém pontos que "fragilizam" a transparência nas eleições. A reforma, agora, será votada no Senado. Para Ayres Britto, 66, a internet não pode ser regulada, pois é "o espaço da liberdade absoluta". Ele ressalvou que não avaliou se a lei é constitucional.

FOLHA - O que o sr. achou da reforma aprovada? CARLOS AYRES BRITTO - É preciso elogiar a disposição do Legislativo de sair da inércia de normatização. Mas é um projeto que não passa da fragmentação. Ele é pontual, é tópico, não consubstancia uma reforma. Não corresponde a um propósito de vitalizar valores constitucionais como transparência, publicidade e a impessoalidade que impede o uso descomedido da máquina administrativa.

FOLHA - O projeto fragiliza esses valores?
AYRES BRITTO - Está mais para a fragilização do que para o robustecimento. Não investe na sadia competição dos candidatos a cargos eletivos. Outra característica central é retirar avanços da jurisprudência [do TSE]. De repente, você faz tábula rasa da jurisprudência.

FOLHA - Não é bom constar prazo obrigando o TSE a fixar limite de um ano para julgar cassações?
AYRES BRITTO - A preocupação é elogiável, mas a Justiça Eleitoral tem um sistema próprio de recurso. É impossível garantir que em um ano um processo será julgado. Não se pode dar como efeito do não julgamento no prazo marcado a absolvição. O projeto abre espaço para isso.

FOLHA - Não é preciso encurtar os prazos? Há casos de governadores com processo de cassação e se passou mais da metade do mandato.
AYRES BRITTO - Mas este ano não serve como paradigma. A Justiça Eleitoral mudou sua jurisprudência para reconhecer ao vice-governador o direito de atuar enquanto parte processual autônoma. Os prazos abertos para a defesa do titular são abertos para a defesa dos vices. Aí voltou para a estaca zero.

FOLHA - O voto impresso não é uma segurança maior ao eleitor?
AYRES BRITTO - Ele foi testado e foi um desastre, um fiasco, atrasou enormemente a votação. Filas intermináveis.

FOLHA - E a manutenção da doação oculta?
AYRES BRITTO - A redação proposta pelo artigo 28 permite ao partido financiar campanha eleitoral do candidato à eleição majoritária. É um financiamento oblíquo. Certamente só terão suas dívidas assumidas pelos partidos os candidatos majoritários mais próximos das cúpulas partidárias. Aliás, é outra característica do projeto no plano macro. Ele fortalece as cúpulas partidárias.

FOLHA - Por quê?
AYRES BRITTO - Porque até os desonera de despesas contraídas perante terceiros pelos órgãos periféricos, ou seja, pelos diretórios estaduais e municipais. É pior do que a doação oculta. O partido não vai nem passar para o candidato, vai assumir diretamente as despesas. Pelas variáveis interpretativas deste artigo, receio que ele venha a se constituir em nitroglicerina pura. Quer fazer uma reforma? Cuide bem da arrecadação, da aplicação de recursos e da prestação de contas.

FOLHA - Algo lhe agradou?
AYRES BRITTO - Há muitos avanços: a sanção de suspensão das cotas do Fundo Partidário deve ser aplicada de forma proporcional e razoável. Outro ponto diz que a denominação da coligação não pode fazer referência a nome ou número de candidato. Quando diz que erros irrelevantes na prestação de contas que não comprometam o resultado não acarretarão rejeição.

FOLHA - O que o sr. achou de equiparar a internet com TV?
AYRES BRITTO - Sobre internet, eu não falo como presidente do TSE, mas como ministro. O TSE ainda não tem posição definida. Entendo que não há como regulamentar o uso da internet. A internet tem dois méritos: mobiliza a sociedade de uma forma interativa, que em época de eleição deve ser turbinada, não intimidada. E está criando uma nova sociedade civil mundial. Qualquer regulamentação no nível dos Estados é provinciana.

FOLHA - É uma tentativa de censura à internet?
AYRES BRITTO - A internet não pode ser regulada. A imprensa regula o Estado, e a internet se contrapõe à própria versão da imprensa sobre as coisas. A internet é o espaço da liberdade absoluta, para além da liberdade de imprensa.
FOLHA DE SÃO PAULO

13/07/09

Doação ilegal pode gerar multa milionária

Procuradoria cobra R$ 390 milhões de empresas e pessoas físicas que excederam limite permitido no Código Eleitoral Representações no TRE têm como alvo as campanhas de 2006; cerca de mil empresas e 1.500 pessoas teriam feito doação além do permitido Rubens ValenteFlávio Ferreirada reportagem Local
A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, órgão do Ministério Público Federal, protocolou 2.500 representações no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) paulista para cobrar cerca de R$ 390 milhões em multas de empresas e pessoas que financiaram candidatos e comitês eleitorais no ano de 2006.
A devassa é inédita em uma eleição no país. A Procuradoria acusa os doadores de terem excedido o limite de valores de contribuições fixado pelo Código Eleitoral -2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, no caso de pessoas jurídicas, e 10% dos rendimentos brutos, para as pessoas físicas.
As representações, elaboradas pelo procurador regional eleitoral Luiz Carlos Gonçalves, pedem que os acusados sejam condenados ao pagamento de multa dez vezes maior que as quantias que extrapolaram o limite e sejam proibidos de contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos.
A Folha teve acesso aos nomes de todos os representados na Justiça Eleitoral de São Paulo. São cerca de 1.500 pessoas físicas e mil empresas. A Procuradoria afirma que as contribuições além do limite ultrapassaram R$ 39 milhões. Ainda há 850 casos sob investigação no órgão.
Na lista dos dez doadores que mais excederam o teto estão nove empresas e a AIB (Associação Imobiliária Brasileira), associação ligada ao Secovi-SP que integra a lista do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de suspeitos de financiamento ilegal de campanha.
Esse grupo é composto pelo Banco Mercantil de São Paulo, incorporado pelo Bradesco no final de 2006, duas empresas ligadas ao grupo Safra, a Embraer, a Heber Participações, holding controladora do Grupo Bertin, e a VR3 Participações, titular de participação acionária no grupo Carlos Lyra.
A pessoa jurídica que encabeça essa lista doou R$ 6,2 milhões além do limite, e poderá receber multa de R$ 62 milhões, segundo a Procuradoria. O órgão não informou a ordem das empresas no ranking de doadoras para não violar os seus sigilos fiscais.
Os candidatos beneficiados por doações sob suspeita incluem senadores, deputados federais e campanhas presidenciais, tanto a vitoriosa, da reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quanto a de Geraldo Alckmin (PSDB-SP).
O comitê financeiro de Lula recebeu, em 2006, R$ 500 mil da empresa de táxi aéreo Interavia, que pertence ao grupo Votorantim, e mais R$ 400 mil da empreiteira Consulvix. A Folha localizou uma entidade de classe, o CNC (Conselho Nacional do Café), que intermediou R$ 286 mil para campanhas de deputados federais.
Segundo o procurador Gonçalves, também serão verificadas suspeitas de doações feitas por empresas-fantasma. "Em alguns casos, encontramos empresas que não operam regularmente no ambiente econômico. Há indícios de que elas são de fachada, constituídas para fazer doações de quem não quer aparecer ou quem está proibido a doar", disse.
Há situações em que até os candidatos poderão ser punidos, afirmou o procurador. "As doações com indícios de ilicitude mais grave podem repercutir para os candidatos. Se houver elementos de que um candidato conhecia a impossibilidade de o doador contribuir, até os os eleitos podem ser responsabilizados por captação ou gastos ilícitos de recursos".
Cruzamento de dadosOs nomes dos doadores foram obtidos a partir de um trabalho conjunto do TSE e da Receita Federal, originado de um ofício enviado, em 2006, pelo então presidente do tribunal, Marco Aurélio de Mello. Na atual gestão na presidência do TSE, Carlos Ayres Britto enviou novo ofício à Receita para adoção do mesmo procedimento sobre o pleito de 2008.
Segundo o TSE, o cruzamento vinha sendo realizado pelo tribunal desde 2001, mas só ganhou corpo a partir de 2006, quando foi criada uma espécie de cadastro nacional de doadores, que possibilitou identificar as doações feitas pela mesma pessoa ou empresa a vários candidatos, de diferentes Estados e cargos em disputa.
"A medida objetiva verificar o cumprimento da lei e possibilitar a eventual aplicação de multa eleitoral aos infratores. A multa varia de 5 a 10 vezes o valor extrapolante do limite da doação. A pessoa jurídica também pode ficar proibida de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público por cinco anos", afirmou, por e-mail, o presidente do TSE, Carlos Ayres de Britto.