segunda-feira, 19 de abril de 2010

O MAL EM NOME DO BEM

Posto artigo de minha autoria publicado hoje no jornal CORREIO BRAZILIENSE
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Brasília, segunda-feira, 19 de abril de 2010

O MAL EM NOME DO BEM

• Eduardo Nobre

Especialista em direito eleitoral e sócio do Escritório Leite, Tosto e Barros Advogados


A apoteose de uma democracia é o momento em que seus cidadãos decidem quem serão seus representantes no comando das instituições que decidem o destino do país. É um momento ruidoso na forma, mas solene em seu conteúdo. Os candidatos precisam divulgar a sua postulação e suas propostas. Essas campanhas têm um preço e em torno desse preço trava-se um debate nem sempre muito racional.

Poucos compreendem a legitimidade da doação de campanha. A opinião pública é induzida a acreditar que toda e qualquer verba eleitoral é desonesta, mesmo tendo previsão legal que a ampare. O Ministério Público reforça essa crença e algumas decisões judiciais a chancelam.

Uma parcela expressiva da população ignora que as campanhas eleitorais são financiadas através de algumas específicas fontes de recursos, cada uma delas com suas peculiaridades e limitações, sendo elas: doações de pessoas físicas, doações de pessoas jurídicas, recursos próprios do candidato, recursos de outras campanhas, recursos do partido e por meio dos recursos provenientes da comercialização de bens ou realização de eventos.

Esse quadro gera discussões importantíssimas sobre os sistemas de financiamento de campanha. Questiona-se o atual sistema de financiamento misto de campanhas. Vale lembrar: uma parte do fundo partidário é composta por recursos públicos e, além disso, o horário eleitoral gratuito é subsidiado pelo governo. Discute-se se esse modelo misto deve sofrer alterações substanciais ou se devemos partir para a adoção do sistema exclusivamente público de financiamento campanhas. Sem dúvida, cada uma dessas formas carrega consigo seus prós e contras.

É lícita a doação eleitoral, dentro dos limites de valor, feita por uma empresa que detenha participação acionária em uma concessionária de serviços públicos. Mas, apesar de permitido por lei, e o próprio Tribunal Superior Eleitoral já ter reafirmado por inúmeras vezes esta posição, o Ministério Público Eleitoral de São Paulo entrou com diversas ações questionando doações dessa espécie recebidas por vereadores, e ainda, em razão disso, vários desses vereadores acabaram sendo cassados pela Justiça eleitoral em primeira instância. De nada adiantou o cuidado em seguir a lei e o cuidado em seguir o entendimento da mais alta Corte Eleitoral do Brasil.

É lícito uma empresa doar valores (observados os limites máximos) para um partido político em época de campanha ou fora dela. Mas, mesmo assim, essa empresa vai para a capa dos jornais como sendo uma das que fizeram as famosas “doações ocultas”. Essas “doações ocultas” (que já têm nome de coisa errada) nada mais são do que doações feitas em estrita observância da lei.

É lícita a doação para campanhas eleitorais proveniente de empresa que presta ou já prestou serviços para a administração pública. Mas apesar de ser completamente regular, esse acabou sendo também um dos principais motivos que levaram à recente cassação, suspensa, do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab.

Não se nega que o sistema é falho. Mas o que mais espanta, não obstante as doações estarem em conformidade com a lei, é o fato de serem condutas praticadas e aprovadas pelos tribunais há anos. Não se nega que o sistema jurídico permite a alteração de jurisprudência consolidada, mas essas alterações, principalmente na Justiça Eleitoral, devem ser aplicadas inegavelmente para situações futuras e não para passadas. Isso para evitar que o candidato eleito, pela soberania do voto popular, convicto de ter praticado atos legais, acabe cassado, mesmo após o processo de aprovação de suas contas onde a Justiça e o Ministério Público analisaram minuciosamente essas doações e as aprovaram.

Do ponto de vista empresarial, a situação não é diferente, pois as empresas que fizeram essas doações (legais, ressalte-se) também acabaram sofrendo processos movidos pelo Ministério Público. Desgaste de imagem, reflexos sobre a cotação de suas ações em bolsa, custo com advogados são apenas alguns dos exemplos das conseqüências diretas dessas ações.

O rigor no relacionamento do setor privado com o Poder Público é saudável, necessário e indispensável. Mas falta um esforço para que esses dois universos — o real e o virtual — aproximem-se um pouco mais. Tentar criminalizar possibilidades previstas na Constituição e na legislação coloca em xeque o sistema eleitoral e, em consequência, a própria democracia. Fazer o mal em nome do bem pode ajudar a produção de notícias barulhentas e vazias de conteúdo. Mas não melhoram o país em nada.